sábado, 17 de março de 2018

Redemoinho para ver a Dança

Sou muito suspeito pra falar. Victor D’Olive, além de amigo, trabalha no mesmo departamento que eu. E coordena o Coletivo Redemoinho, que se apresentou ontem à noite no #teeteto , na Praça da Paz, em João Pessoa.
Mesmo assim, não vou deixar passar.
“Se essa rua fosse minha” me remete à dois aspectos necessários para se ver dança na atualidade: o primeiro, olhar uma dança pela sua materialidade, pela sua apresentação, e não mais pela sua representação. A dança do Coletivo Redemoinho não é uma dança “que quer dizer algo”, que significa ou encena uma história, uma narrativa estruturada tradicionalmente com começo, meio e fim. É uma dança onde o corpo que se move se apresenta e, com isso, move ideias. O outro aspecto, é a liberdade da interferência e o uso da relação corpo que se move com o ambiente ao redor. A dramaturgia que se constrói, livra o corpo do intérprete-bailarino do enquadramento rígido da execução de um vocabulário de um sistema técnico-estético, pois amplia o seu poder de (re)agir às demandas interativas que surgem no instante. Há a permissão do improviso, da intuição e das interferências externas, aliada ao uso das técnicas de interpretação teatrais e de danças, devidamente usadas como meios para se realizar o projeto dramático no instante da ação. Estruturas de movimento notadamente prescritas, mas que se transformam com a permissão do jogo interativo com o ambiente - reações do público, sons, equipamentos da praça, adereços, chão, roupas, clima, vento... Tudo vira cena.
E o público agradece pela oportunidade de assistir uma dança no espaço público. Uma praça que se transforma em espaço cênico, não mais definido pelo palco, mas construído pelo corpo em movimento.
“Se essa rua fosse minha” desmantela o olhar de quem se acostumou a ver uma dança cênica narrativa. Traz o olhar do público para ver a dança de cada corpo, onde cada um é discurso, pois cada corpo que ali se move carrega uma história de vida e a materializa no movimento.

Assim, a dança do Redemoinho se faz como um ato político. Resolve que o corpo obedece a estruturas de movimento, mas possui a liberdade criativa - e desafiadora - de poder transgredir, com a devida coerência.

domingo, 4 de março de 2018

Entre ISTC e VTNC: uma Isaura

Isaura Tupiniquim ontem deu um show no Theatro Santa Roza (João Pessoa- PB). Literalmente. Sua apresentação me trouxe um sentimento nostálgico - retrô, mesmo. Não sei se pelo visual e pela irreverência meio anos 70, ou se pelas referências múltiplas que me afetaram bastante. Um desleixo organizado e propositalmente reflexivo dos judsonites de Nova Iorque, os gritos de Yoko Ono, o corpo-discurso retumbante dos Dzi Croquetes, o corpo político dos artistas dos EUA na dança de esquerda dos anos 30 e na dança punk dos rebeldes dos anos 80... Referências múltiplas me vieram, necessárias para pensar o mundo de hoje, artisticamente e politicamente.
Corpo místico: orixá brilhante em LEDs ofuscantes; mulher-corpo-deusa-mito-origem; patchwork de sujeitos e ideias; artista, representação e apresentação: tudo junto e misturado. Tudo em uma e uma que está em todXs.
O discurso do corpo de Isaura, o tempo todo, vai nos conectando, nos unindo, metaforicamente, no tecido social e cultural único, reconhecendo nossas singularidades. Somos muitos e diversos - e “ ISTC” ostenta essa ideia num pedestal, dançando.
Para mim, Isaura, a que não é de maneira alguma a escrava, traz o trabalho “ISTC” como algo necessário: alia a fome de viver com a de gritar VTNC para os moralistas de plantão que querem o retorno do “cale-se” no Brasil que há de se Temer.
Embora haja o soluço e o chôro preso do lamento pelos acontecimentos políticos e sociais dos dias atuais, viva a Arte. E viva a dança do corpo que não pode e não quer emudecer o discurso de liberdade. Isaura “samba” - e samba mesmo - (e bem!), e canta: na cara de uma parte da sociedade que devemos nos envergonhar, formada por moralistas e reacionários.



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