segunda-feira, 11 de setembro de 2017

ZOOFILIA E ARTE EM VAREJO

Você achou mesmo que Cena do Interior II (óleo sobre tela, 120 x 100 cm, 1994. Disponível em: <http://www.adrianavarejao.net/pt-br/cena-de-interior-ii>. Acesso em 11 set. 2017) de Adriana Varejão é repugnante e imoral por "fazer apologia" de zoofilia?
Vamos perder alguns minutos na tentativa de fazer uma utilidade pública. Em se tratando de Arte,
  1. Nunca "recorte" uma pequena parte de uma obra: veja-a em sua totalidade e sempre contextualize;
  2. Conheça, de preferência, o conjunto da obra de um artista para formar uma pequena ideia do que ele costuma tratar;
  3. "Gosto" não é parâmetro de avaliação. Se você 'gosta' ou 'desgosta' de algo, esse problema é apenas SEU (e não do artista);
  4. Um discurso imagético não se trata sempre de uma "apologia": pode ser exatamente o contrário disso (denúncia/crítica) ou, simplesmente, um reflexo da realidade;
  5. Uma das funções da Arte é provocar REFLEXÃO. Para isto, o artista pode se valer de muitos artifícios (incomodar, por exemplo, é muito comum);
  6. O "belo" é altamente relativo...
  7. ...e a lista de 'dicas' é enorme, tá? E vale ressaltar: NÃO sou especialista ou crítico de Arte. Mas mesmo que você NÃO goste, Adriana Varejão é uma das artistas visuais brasileiras mais bem conceituadas por, justamente, denunciar signicamente através de sua arte - um dispositivo de representação - a violência em processos de assimilação cultural, principalmente através de colonização.
Paulo Herkenhoff (apud ZENARO, 2012), ex-diretor cultural do MAR (Museu de Arte do Rio), explica:
Adriana Varejão se detém em questões como a patologia do Barroco, a presença de um longo processo de influência da China na cultura brasileira e os traumas do processo de expansões colonial e dos encontros consequentes aos descobrimentos, como a uma tendência unicificante do mundo [...]. O que era esquecimento e opacidade na história se torna visível. A cartografia agora é violência. O processo de presentificação do passado é uma nova transparência. Esse é o seu nível sutil de politização da arte, distante da vassalagem ideológica. Cada tela é uma produção de evidências, no agenciamento da história.
E, mais importante ainda, concordando com Herkenhoff (apud ZENAR, 2012):
[...] A obra de Varejão trata da interação de planos de representação: a história da arte serve para rever criticamente a pretensa totalidade da história que molda e é moldada pela arte.
Pesquisa, gente. Adriana Varejão é "bafônica". A arte de Varejão num é "safadeza" ou "zoofilia": ela, politicamente, quer é que a gente reflita e nunca esqueça que a colonização não foi um processo "bacaninha" que foi realizado somente por gente "do bem". O tal "povo brasileiro" - eu e você, nós todos - somos todos descendentes de vítimas de um violento processo de assimilação cultural.
E Varejão é também brasileira. Varejão nos representa, em especial, na exposição "Queermuseu: cartografias da diferença na arte brasileira" em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, promovida pelo Santander Cultural, com a obra "Cenas do Interior II" (1994). Infelizmente, a exposição foi cancelada por protestos tanto na instituição quanto nas redes sociais (Vide <https://extra.globo.com/tv-e-lazer/santander-cultural-cancela-exposicao-queermuseu-cartografias-da-diferenca-na-arte-brasileira-21807796.html>. Acesso em 11 set. 2017).
Sobre esta questão, Varejão - ela mesma - de maneira interessante e aparentemente profética, parece estar ciente de que a arte é refém do mercado e de instituições. Já em 2009, a artista fala, em entrevista para a dissertação de mestrado de Fátima Cerqueira (2009, p. 161-162), o seguinte:
[...] Então, eu me sinto um pouco anacrônica, o tempo todo, eu tenho um complexo danado, porque é super marginal pintar. É assim, eu não sou prestigiada por... são pouquíssimos curadores que prestigiam, principalmente os ligados às instituições. A pintura vira uma arte muito voltada pro mercado. Tudo bem que você está presente em galerias importantes, em coleções importantes, porque todo mundo prefere comprar a pintura ainda. Mas em termos institucionais e de curadoria, de curadores e instituições, esse prestígio é muito pouco atualmente da pintura.
Diante da importância política da obra de Adriana Varejão, sabe o que é repugnante e imoral? O discurso reacionário estúpido e acrítico vigente, que impregna e repercute midiaticamente e que, consequentemente, emergirá em sucessivas gerações.
Por Arthur Marques. 11/09/2017.

REFERÊNCIAS:
CERQUEIRA, Fátima Nader Simões. Memória e persuasão na pintura de Adriana Varejão. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em artes, Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2009. 174 f. Disponível em: <http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3576_disserta%E7%E3o%20MESTRADO.pdf>.

Website de Adriana Varejão. Disponível em: <http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series>. Acesso em 11 set. 2017.
ZENARO, Mariana. Adriana Varejão: Mares, vísceras e novas narrativas de nossa história. Postado em 24 de novembro de 2012. Disponível em: <https://revistacontemporartes.blogspot.com.br/2012/11/artes-plasticas-nao-e-questao-de-talento.html?m=1>. Acesso em: 11 set.2017.


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