sábado, 26 de agosto de 2017

Corpo que nos une (?)

Acho importante compartilhar a reflexão com vocês.

Acho ótimo o Grupo Corpo, uma das maiores companhias de dança do Brasil (se não a maior) ter criado um espetáculo com inspiração na Umbanda e no Candomblé. "Gira" (2017), Grupo Corpo

Vamos lá: O que me chama a atenção é somente o fato de que somos um país tão colonizado que, sendo uma das maiores cias de dança do Brasil, e tendo sido criada nos anos 70, somente AGORA é que o Corpo se (pre)ocupa com um tema tão brasileiro e, mais curioso ainda: dando um tratamento do assunto como algo "exótico".
Agora há pouco, o próprio Pederneiras assume no noticiário de hoje que esse era um tema que ele não conhecia: ele teve que estudar e se aproximar do candomblé e da umbanda para realizar o trabalho.
— Tivemos que frequentar alguns terreiros de candomblé e umbanda para aprender sobre o assunto. Éramos completos ignorantes. Exu é considerado o orixá mais humano, e tudo que está relacionado a movimento na Terra passa por ele — conta Rodrigo, o coreógrafo, que, durante a pesquisa, encantou-se pela umbanda e virou adepto. (ESPINOZA, Patrizia. "Grupo Corpo homenageia exu em novo espetáculo". Jornal o Globo, Caderno Rio Show. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rioshow/grupo-corpo-homenageia-exu-em-novo-espetaculo-21746824>. Acesso em 26 ago.2017).
Fico confuso. Fico feliz por ele e, ao mesmo tempo, triste por me reconhecer como brasileiro - como mais um entre tantos e como o próprio Pederneiras - que não conhece uma questão que faz parte da cultura popular, a exemplo de manifestações como a Umbanda e o Candomblé, tão presentes em boa parte dos estados brasileiros.

Reflito: ainda tem gente que abre a boca pra dizer que não temos uma dívida histórica com os negros - como se nós mesmos não fôssemos mestiços. O preconceito faz parte da nossa história como brasileiros.

Quando umbanda e candomblé são tratados como assuntos "exóticos" (ex-óptico: distante do olhar, diferente) por qualquer brasileiro que seja - é preciso reavaliar e perceber que há algo de MUITO errado ocorrendo - e há muito tempo - na nossa educação e na nossa cultura. Por que ela é negada? Quais os entraves para se notar que há questões que simplesmente não conhecemos porque são tratadas como externas e invisíveis?

Parabéns ao Grupo Corpo. Entretanto, o fato de "Gira" ser um espetáculo de dança que só emerge em 2017, mais de 40 anos depois da criação do Grupo, como um trabalho do repertório de uma companhia dita brasileira e que, inclusive, funcionou por todos esses anos por subvenção pública direta (meu dinheiro e seu dinheiro), é de se atentar para as questões políticas disso: a arte é um espelho necessário que reflete diretamente o contexto. Explica-se: O espelho tá refletindo uma imagem muito desagradável, feia, ruim... Esse contexto precisa ser (re)examinado e nossas atitudes dentro dele precisam ser (re)adequadas.

Estamos mal como "brasileiros": precisamos nos reinventar... Será que poderemos continuar a defender a hipótese de que a cultura é algo comum e que nos une? Não seríamos apenas povos muitos - e diversos - que dividimos um mesmo território? E, se nem temos a coragem e a boa vontade de cumprimentarmos e conhecermos um pouco o nosso vizinho, como dizer que a cultura nos une?

Brasileiros, façamos o favor: assumamos nosso lado "vira-lata"...Ser mestiço tem suas vantagens: como se sabe, como vira-latas não adoecemos facilmente, principalmente, se a cura é conhecida e atende por dois nomes: educação e cultura.

Arthur Marques. 26.08.2017
arthur_marques@yahoo.com.br