quinta-feira, 23 de outubro de 2014

COTAS e BOLSAS - PRA QUE TE QUERO

Uma facefriend, pedagoga, me perguntou o que eu achava sobre as cotas.
Achei importante compartilhar, pois a inquietação dela é também a minha e acredito que também pode ser a sua.

Vanessa Veiga: "Bom dia! Desculpe. Ontem fui ajudar minha filha num trabalho do colégio e não voltei mais. Só um comentário sobre as cotas: SOU TOTALMENTE À FAVOR. Só acho que merecia uma revisão... Acho que deveria abranger TODOS os alunos da rede pública de ensino... Não só negros e pardos pois há brancos também nestas condições. Conforme apontei ontem, nossa Presidente "aumentou" o número de integrantes da Classe Média, tornando pessoas humildes, "mais ricos" da noite para o dia... Isso os afasta destes benefícios tbm. Estudei em escola pública a vida toda. Sofri para entrar numa Universidade... Meu colégio não oferecia embasamento suficiente para que eu tivesse autonomia para passar... Fiquei em "reclassificação" na Uerj (História) e não entrei... Quantos "brancos" como eu passam pela mesma situação? Minha mãe é funcionaria pública, divorciada, nos criou sozinha, meu pai NUNCA a ajudou... Vida dura a nossa de brasileiro, meu amigo. Por isso não engulo o Governo.
Me conte sua opinião. Gosto de ouvir histórias. Beijo grande e bom dia".
Arthur Marques: "Tb sou defensor das cotas e das bolsas como PROUNI. E, da mesma forma que vc pensa,  acho que as revisões são extremamente necessárias.
Sei da lacuna histórica de prejuízo da população negra e índia ao acesso - não apenas à educação.
Entretanto, nos dias atuais,  para dirimir esse mal histórico, é preciso um estudo aprofundado na forma desses benefícios. Tenho um forte problema conceitual com que me pego nesta questão. Como pesquisador,  trabalho com o conceito de mestiçagem/hibridismo.  O referencial teórico com que trabalho defende que o Brasil é uma nação mestiça, barroca "de partida", o que significa dizer que os objetos culturais produzidos em nosso país (e na América Latina)  são extremamente mestiços. Não que outras nações tb não tenham objetos culturais mestiços, mas a América Latina apresenta a mestiçagem como o conceito fundante, de origem histórica,  da própria constituição do continente por suas misturas ou hibridismos.
De acordo com o professor da PUC-SP, Prof. Dr. Amálio Pinheiro, o conceito de mestiçagem/hibrisdimo é usado para analisar OBJETOS, e não SUJEITOS, que, na análise não podem ser desconsiderados, mas que uma cultura não pode ser definida ou estudada apenas por seus sujeitos, mas pelos seus objetos.
Entretanto,  a análise lógica que pode se ter a partir do que os autores defendem é de que o caráter barroco/mestiço/híbrido está incrustado no povo, assim como na cultura.
Sendo assim, como entender e contextualizar, hoje em dia, o benefício às cotas, se todos somos mestiços e pertencentes à uma cultura híbrida?
Alguns defendem o ponto de que "você é se assim se reconhece". Ou seja, o negro só é, numa nação mestiça, se assim se reconhece, nos aspectos culturais e identitários (de sensação de pertencimento). Concordo um pouco com essa ideia,  pois conheço, por exemplo, negros que não se reconhecem pertencentes à um grupo cultural afrodescendente. Isso ocorre justamente pelo fato de que as culturas são híbridas e a constituição dos processos identitários - de reconhecimento e pertencimento a determinado grupo cultural - depende de muitos fatores.
Recentemente,  um moreno de olhos azuis conseguiu o benefício das cotas, "provando" (não sei por quais meios) que era negro. E quem somos nós,  diante de uma nação mestiça, de dizer que ele não era?
O assunto é polêmico,  como você vê.
E, ainda, tem a questão da pobreza, que pessoas de pele branca tb sofrem com a dificuldade do acesso.  Como duzer que elas não têm direito às cotas/bolsas?
É complicado. Não é razão para que eu não "engula" o governo - há pessoas que pensam nessas questões e tentam fazer com que o benefício das cotas seja justo, mas há um problema entre lei e realidade: um programa como esse, precisa de um estudo de impacto e de aplicação - se sabe disso, mas a urgência do benefício era tão grande que se aprova e se começa a fazer uso, para depois "aparar as arestas". Isso aconteceria em qualquer governo que tentasse instituir as cotas/bolsas.
Como vê,  o problema reside na grande distância que se faz - ainda hoje - entre teoria e prática.
Como resolver? Não sei te dizer. Apenas indico um caminho: há de ir se "aparando as arestas" e resolvendo,  aos poucos, problemas que vão surgindo, como o caso do moço moreno de olhos azuis que se autodenomina negro.
Enfim, são muitas as questões.  A única coisa que posso te dizer é que o melhor é que as cotas estão aprovadas por lei - o que era mais complicado.  O lance agora é resolver os problemas. E, pelo que tenho visto, eles têm tentado - o que, pra mim, já é muito válido, num país onde o acesso é tão difícil para todos, em especial para quem se reconhece negro E pobre. Grande abraço e bom dia".
Vanessa Veiga: "Eu adorei sua explicação. Só acrescento o seguinte pensamento: talvez o rapaz branco de olhos azuis fosse apenas um rapaz humilde, com infância pobre como eu e você, estudante de escola pública. Então, ele, eu, você e o menino negro da carteira ao lado da nossa, teríamos o mesmo direito diante da Lei se o espaço fosse para estudantes menos favorecidos no geral. Não seriamos classificados por "cor", mas por condições, entende? Pode usar a pergunta e use a sua explicação tbm q ficou ótima mas considere meu raciocínio sobre igualdade pq é isso que as pessoas precisam entender: negros, brancos, amarelos, somos todos iguais. Beijocas".

As questões são muitas e as respostas, poucas e complexas. As soluções - aplicação prática da resposta - têm um grau de complexidade ainda maior.
Que saibamos lidar com o velho problema da teoria X prática e que a política não desconsidere esse dilema que sempre acompanhou o homem desde a instituição das universidades.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A IMPORTÂNCIA DE VARIAR AS REFERÊNCIAS

Qualquer fonte de referência, livros, revistas ou pesquisas, independente de títulos que sancionam suas validades,   têm valores e ideologia que operam em seus discursos.
As fontes de referência de qualquer informação veiculada têm uma visão de mundo (por exemplo, de direita ou esquerda,  capitalista, fundamentalista, entre outras) e, logicamente,  vão enxergar o mundo com essa visão e defendê-la com seus argumentos.
Ao se buscar acesso à essas mesmas fontes ou informações, mostra-se que o conteúdo expresso interessa e tem a ver com a própria visão de mundo do sujeito, que concorda com esses discursos.
Uma forma de sair disso, um efeito mesmo da informação e do acesso à ela, é buscar outras fontes e não apenas manter as mesmas pesquisas sobre assunto no mesmo dispositivo (computador,  celular). Há dispositivos físicos e virtuais que também operam ideologicamente. Não é uma operação de inteligência artificial, mas de organização e equação de conteúdos e acessos, até mesmo para facilitar a velocidade do acesso e o consumo.
Os cookies, registrados e alocados no seu dispositivo e os algoritmos virtuais (como os que trabalham no Google) sempre vão lhe dar acesso à informação de coisas afins para você ler ou mesmo comprar. Prova disso é prestar atenção às propagandas de lojas ou produtos que aparecem para você ao acessar alguns websites: elas irão se remeter em termos de conteúdo à última compra que você fez na internet ou busca que você fez.
Quando se acessa determinada informação,  esse acesso dá acesso à outras informações similares.
O ser humano também faz isso: escolhemos, em um mesmo jornal, os assuntos que nos interessam. Lemos com mais interesse os que nos agradam. A internet faz esse trabalho para você e tenta selecionar conteúdos que possam ser interessantes para você. E faz isso de maneira até manipulatória, para que você acesse coisas que você possa ler, comprar ou "clicar".
Em outras palavras: não é tão fácil fugir da hegemonia de um discurso.
Procure examinar outras fontes.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

IGNORÂNCIA PLURALÍSTICA - UM EFEITO DA INFORMAÇÃO

https://www.facebook.com/ticosantacruz/photos/
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Li essa frase do Tico Santa Cruz e lembrei de algo muito importante.

Existe um efeito de comunicação chamado "Pluralistic Ignorance" - como descreve o autor Clive Thompson em seu livro "Smarter Than You Think - How Technology Is Changing Our Minds For Better" (New York, The Penguin Press, 2013, p. 253). O conceito foi desenvolvido por Andrew K. Woods e apresentado a Thompson.

Trata-se de um efeito da informação: ele ocorre quando um grupo de pessoas subestimam o quanto outras ao seu redor compartilham de suas atitudes e crenças - e isto é um grande impedimento para a mudança social. De acordo com Thompson, isto ocorre por questões psicológicas: as normas sociais do passado podem influenciar em muito a nossa memória, mesmo que estejam se dirimindo de pessoa pra pessoa com o passar do tempo. Por exemplo, no Brasil, tivemos um regime de ditadura política muito severo, com sua pior fase culminando na década de 1970. Pode-se acreditar que já passaram-se 4 décadas e que os efeitos cognitivos do "cale-se" não estejam mais presentes nos corpos dos brasileiros. Entretanto, a Ignorância Pluralística é um efeito que denota que a memória do passado pode ter mais influências no cognição do que se imagina.

É um efeito que acontece em quase todos os domínios das atividades humanas: mas acontece principalmente porque não sabemos o que se passa na cabeça das outras pessoas.
Exemplo: quando você tem uma opinião sobre uma coisa e acha que a maioria das pessoas ao seu redor não concorda com você - daí você se retrai e não expõe sua ideia. Para o autor, a única forma de lutar contra a "Ignorância Pluralística" é aumentar de forma ativa o fluxo de informação, deixando as pessoas saberem os pensamentos e visões invisíveis das outras.

Vamos lutar contra a "ignorância pluralística": tornemos públicos os nossos pensamentos e ações, para que ocorra uma mudança social significativa através do reconhecimento de outras pessoas que pensam e agem como você, como bem explicou o Tico Santa Cruz - para que as pessoas saibam que não estão sozinhas.

Compartilhar suas idéias é um ato político em busca de pares: tentar convencer o outro a pensar como você já é um abuso.