Achei importante compartilhar, pois a inquietação dela é também a minha e acredito que também pode ser a sua.
Me conte sua opinião. Gosto de ouvir histórias. Beijo grande e bom dia".
Sei da lacuna histórica de prejuízo da população negra e índia ao acesso - não apenas à educação.
Entretanto, nos dias atuais, para dirimir esse mal histórico, é preciso um estudo aprofundado na forma desses benefícios. Tenho um forte problema conceitual com que me pego nesta questão. Como pesquisador, trabalho com o conceito de mestiçagem/hibridismo. O referencial teórico com que trabalho defende que o Brasil é uma nação mestiça, barroca "de partida", o que significa dizer que os objetos culturais produzidos em nosso país (e na América Latina) são extremamente mestiços. Não que outras nações tb não tenham objetos culturais mestiços, mas a América Latina apresenta a mestiçagem como o conceito fundante, de origem histórica, da própria constituição do continente por suas misturas ou hibridismos.
De acordo com o professor da PUC-SP, Prof. Dr. Amálio Pinheiro, o conceito de mestiçagem/hibrisdimo é usado para analisar OBJETOS, e não SUJEITOS, que, na análise não podem ser desconsiderados, mas que uma cultura não pode ser definida ou estudada apenas por seus sujeitos, mas pelos seus objetos.
Entretanto, a análise lógica que pode se ter a partir do que os autores defendem é de que o caráter barroco/mestiço/híbrido está incrustado no povo, assim como na cultura.
Sendo assim, como entender e contextualizar, hoje em dia, o benefício às cotas, se todos somos mestiços e pertencentes à uma cultura híbrida?
Alguns defendem o ponto de que "você é se assim se reconhece". Ou seja, o negro só é, numa nação mestiça, se assim se reconhece, nos aspectos culturais e identitários (de sensação de pertencimento). Concordo um pouco com essa ideia, pois conheço, por exemplo, negros que não se reconhecem pertencentes à um grupo cultural afrodescendente. Isso ocorre justamente pelo fato de que as culturas são híbridas e a constituição dos processos identitários - de reconhecimento e pertencimento a determinado grupo cultural - depende de muitos fatores.
Recentemente, um moreno de olhos azuis conseguiu o benefício das cotas, "provando" (não sei por quais meios) que era negro. E quem somos nós, diante de uma nação mestiça, de dizer que ele não era?
O assunto é polêmico, como você vê.
E, ainda, tem a questão da pobreza, que pessoas de pele branca tb sofrem com a dificuldade do acesso. Como duzer que elas não têm direito às cotas/bolsas?
É complicado. Não é razão para que eu não "engula" o governo - há pessoas que pensam nessas questões e tentam fazer com que o benefício das cotas seja justo, mas há um problema entre lei e realidade: um programa como esse, precisa de um estudo de impacto e de aplicação - se sabe disso, mas a urgência do benefício era tão grande que se aprova e se começa a fazer uso, para depois "aparar as arestas". Isso aconteceria em qualquer governo que tentasse instituir as cotas/bolsas.
Como vê, o problema reside na grande distância que se faz - ainda hoje - entre teoria e prática.
Como resolver? Não sei te dizer. Apenas indico um caminho: há de ir se "aparando as arestas" e resolvendo, aos poucos, problemas que vão surgindo, como o caso do moço moreno de olhos azuis que se autodenomina negro.
Enfim, são muitas as questões. A única coisa que posso te dizer é que o melhor é que as cotas estão aprovadas por lei - o que era mais complicado. O lance agora é resolver os problemas. E, pelo que tenho visto, eles têm tentado - o que, pra mim, já é muito válido, num país onde o acesso é tão difícil para todos, em especial para quem se reconhece negro E pobre. Grande abraço e bom dia".
Que saibamos lidar com o velho problema da teoria X prática e que a política não desconsidere esse dilema que sempre acompanhou o homem desde a instituição das universidades.