quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

AINDA NO IMPÉRIO DA VAIDADE

Há onze anos, Paulo Moreira Leite discutiu as relações entre corpo e incentivo do consumo pela mídia na Revista Veja.
Acredito que ainda sejam pertinentes na atualidade algumas questões levantadas pelo autor nesse ensaio. Mesmo hoje em dia, a relação política entre corpo e mídia permanece explícita em comerciais, novelas e revistas. A mensagem é sempre mesma: um corpo saudável é um corpo magro, malhado e jovem. Será?

O Império da Vaidade
por Paulo Moreira Leite.
Revista Veja, 23 de agosto de 1995, p. 79.

"Você sabe por que a televisão, a publicidade, o cinema e os jornais defendem os músculos torneados, as vitaminas milagrosas, as modelos longilíneas e as academias de ginástica? Porque tudo isso dá dinheiro. Sabe por que ninguém fala do afeto e do respeito entre duas pessoas comuns, mesmo gordas, um pouco feias, que fazem piqueninque na praia? Porque isso não dá dinheiro para os negociantes, mas dá prazer para os participantes.
O prazer é físico, independente do físico que se tenha: namorar, tomar milk-shake, sentir o sol na pele, carregar o filho no colo, andar descalço, ficar em casa sem fazer nada. Os melhores prazeres são de graça - a gente conversa com o amigo, o cheiro do jasmim, a rua vazia de madrugada - , e a humanidade sempre gostou de conviver com eles. Comer uma feijoada com os amigos, tomar uma caipirinha no sábado também é uma grande pedida. Ter um momento de prazer é compensar muitos momentos de desprazer. Relaxar, descansar, despreocupar-se, desligar-se da competição, da áspera luta pela vida - isso é prazer.
Mas vivemos num mundo onde relaxar e desligar-se se tornou um problema. o prazer gratuito, espontâneo, está cada vez mais difícil. O que importa, o que vale, é o prazer que se compra e se exibe, o que não deixa de ser um aspecto da competição. Estamos submetidos a uma cultura atroz, que quer fazer-nos infelizes, ansiosos, neuróticos. As filhas precisam ser Xuxas, as namoradas precisam ser modelos que desfilam em Paris, os homens não podem assumir sua idade.
Não vivemos a ditadura do corpo, mas seu contrário: um massacre da indústria e do comércio. Querem que sintamos culpa quando nossa silhueta fica um pouco mais gorda, não porque querem que sejamos mais saudáveis - mas porque, se não ficarmos angustiados, não faremos mais regimes, não compraremos mais produtos dietéticos, nem produtos de beleza, nem roupas e mais roupas. Precisam da nossa impotência, da nossa insegurança, da nossa angústia. O único valor coerente que nossa cultura apresenta é o narcisismo".

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