sábado, 21 de fevereiro de 2009

Considerações sobre a Intimidade em dias Contemporâneos

EXTRAÍDO DE (LINK)


Escrito por Paulo Milhomens
01-Jul-2008


A afetividade humana enquanto individualidade(s) pressupõe um conjunto interdependente em suas práticas, espaços e ações. Cada ser é uma plenitude de processos, descobertas e possibilidades. Isso significa compreende-la por afectividades conjuntivas de um quebra-cabeça.
Um processo criativo. Uma partida de xadrez que pode levar anos para ser concluída.
Da mesma forma, a sexualidade humana não é uma verdade absoluta, tão-pouco adequadamente “fiel” a manuscritos, teses ou verdades científicas.
Nestes conturbados tempos “modernos” de “contemporaneidade”, achamos rentável a quebra de conceitos. Estabelecemos a diversidade como o óbvio nos interessantes discursos científicos existentes. Pergunto onde colocamos tantas necessidades de justificativas afirmativas sem buscá-las verdadeiramente?
Até onde a coerência de objetar uma dinâmica sócio-cultural pode configurar uma naturalidade do ser e estar, conforme a época? Ao passo que somos tão neuróticos, não podemos negar uma hipocrisia latente em exigir a criação de novos tipos sociais. Evidentemente, como preocupação inicial, perguntaria: quero a busca pelo afeto?
Evidenciar a dicotomia entre sexualidade e afetividade como processos, buscas humanas distintas é nossa meta. Há muitos fatores interessantes aí, tanto da ideia clássica do que vem a destacar intimidade ou o íntimo na história, no imaginário ocidental cristão.
Está associando numerosas passagens etnográficas, psicologizantes? Creio que sim.
Uma miríade de palavras foram escritas a respeito. Enfim, qualquer pessoa pode ser o que quiser desde que sua percepção esteja longe do “óbvio”. Talvez, longe de uma teoria cientificista pragmática. Ademais, a lógica do ser passa por sua tão esperada catarse: “Vivemos uma profunda metamorfose do vínculo social, caracterizada pela saturação da identidade e do individualismo epistemológico que lhe é expressão. A realidade do tribalismo está aí, ofuscante, para o bem e para o mal. Realidade incontornável, não limitada a uma área geográfica particular e que ainda não foi devidamente considerada, donde a premência de pensá-la (MAFFESOLI, 2007, p.17)”.
Pequenos encontros, grandes negócios (garotos e garotas de programa, travestis) em recortes urbanos. Reagrupamentos em outros meios sinalizam que o prazer simultâneo está, a cada dia, mais causticante.
Telejornais exibem misoginias, anti-semitismos, xenofobias e homofobias. As mentes protofascistas ainda reforçam o enclausuramento psíquico como proposta “adequada” de afastar o habitus improbum nesta neurose repetitiva que denominamos civilização ocidental.
Tradicionalismos repercutem sua intransigência em novos discursos: carismáticos descolados, neoyuppes e toda a sorte de modismos instantâneos. Relembrando Agenor Miranda, o Cazuza, em sua canção “O tempo não pára”, teremos um “museu de grandes novidades” como consequência de uma modernidade questionável à sua proposta incertiva, plural, democrática: “Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraria, de uma forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo. Em termos de intensidade, elas alteraram algumas das características mais íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana (GIDDENS, apud Hall, 2001, p.16)”.
Ou ainda, pela reflexão de Luiz Mott: “A crítica feminista e os estudos de gênero contrapuseram a repressão vitoriana do dever conjugal ao orgasmo múltiplo, o erotismo vaginal pelo clitoriano, a ausência de paixão pelo entusiasmo da amante liberada. Sexualidade e gênero se deram as mãos. Várias correntes do pensamento contemporâneo compartilham o mesmo approach do construcionismo social, enfatizando o papel ativo do sujeito guiado pela cultura, na estruturação da realidade social. Trata-se de uma perspectiva endogênica, em oposição ao empirismo e ao positivismo, que enfatizam a existência objetiva e realidade dos temas do inquérito científico numa perspectiva exogênica (MOTT, 2007, p.67)”.
Surge o confronto corpo-biológico e mente-sexualidade, nessa interessante ambivalência dos modos de vida. O fato é que não devemos alardear uma teoria do caos a respeito do ser através da cultura. Especulo que, ainda sob influência do século XX, temos uma necessidade de instrumentalizar as sexualidades, distante de uma lógica sensível, pouco ligada aos desejos recônditos.
O mundo oriental possui a Ars Erótica vista por Foucault (1993), com sua inclinação ao cultismo do elemento divinal, metafísico com deuses detentores de uma outra ordem psicológica, espiritualista sobre o corpo, em outro viés. O certo é que no ocidente a mecanização da sexualidade nos séculos XVIII e XIX – com a supressão da ditadura vitoriana que incriminou Oscar Wilde – tornou-se ardiloso reflexo para os primeiros positivistas europeus. Dessa forma, nas estruturas de poder e controle, o desejo é o crime.
Durante muitas décadas, ter pensado os diferentes desejos humanos como uma manifestação estruturalizada e distante da percepção complexa de suas experiências cotidianas e antigas foi algo marcadamente negativo.
Espacialização, urbanismo, exogamia, poligamia, endogamia, monogamia, pluralidade de sensações entre outros, não serão vistos aqui como “fenômenos” sociais. Se a academia demorou a render-se aos estudos do íntimo, teremos a cumplicidade e a coragem de sensibilizar-nos às transformações da mente através da história.
O tempo e a fala (do falo) são cúmplices dos desejos, do consumo e das curiosidades. Talvez não seja tão desconcertante assim falar da intimidade e do afeto. Pasini (1996) chega a defendê-la como algo para além do sexo. Perceberemos grandes metrópoles (ou não) que os discursos prontos acerca do corpo-biologia se afastaram da relação mente-sexualidade.
Na grande crise das identidades, vindas para tentar resolver o interminável problema das “categorias” de gênero, agora demonstram curiosa perda de vitalidade. Ainda estamos no prelo para que novas interpretações epistemológicas apareçam na simples idéia de aftividade. O desejo deve ser entendido do ponto de vista da história da intimidade. O afeto torna-se o conjunto complexo e operador de todo essas vivências sociais. “Na ciência, a pertinência das explicações sobre fenômenos estritamente delimitados se liga ao âmbito das condições definidas para a investigação e dificilmente permite a compreensão de fenômenos que estão no limite das condições definidas ou que as ultrapassam (ALMEIDA, 2004-2005, p.137)”.
Mas em toda essa delonga, onde se encontra o território dos afetos, da intimidade? Falamos há pouco da comercialização. Sim, determinados espaços de sociabilidade ainda são relegados ao risco social.
As prostitutas tornaram-se profissionais do sexo e foram inseridas nas Ciências Sociais como grande novidade. Hoje se atribui caracteres culturais reinterpretando o uso dos prazeres por essas mulheres na vida contemporânea. Em determinadas situações, essa válvula de escape sexual adquire conduta terapêutica por parte de quem as usa.
Os reflexos de um lar em contínua crise, estimula novos mecanismos de se ter intimidade nos prazeres da vida. Surgem as novas afetividades – ora guardadas ou recalcadas em nós mesmas (os) – , e a necessidade afirmativa das neo-afetividades se faz presente, como atesta Giddens (1994), na chamada crise das tradições.
Agora, com uma simbologia feminina colocada a primeiro plano, o macho em crise e as novas possibilidades surgidas no campo da experimentação erótica, afetiva, a intimidade torna-se não mais uma coadjuvante impertinente aos “notáveis” desdobramentos e descobertas da ciência, mas motivo urgente de questionarmos o modelo ocidental de vontade imposta ao longo de milênios, a manipulação de seu uso, contrastando com a plasticidade de nossa época.
Resta-nos começar a repensar os valores a qual estamos transformando e expondo no século XXI. Práticas só agora notadas e relevadas nos obrigam a projetar um novo modelo para a educação humana sobre os estudos de sexualidades, gêneros em suas devidas intimidades e afetividades.
O caminho pode ser árduo, mas necessário, no sentido de novas lutas culturais afirmativas – como por exemplo não privar os instintos humanos de suas necessidades particulares aos olhos da “conduta padrão”. Isso também significa falar e buscar a tão sonhada felicidade em nosso íntimo.


Referências

Almeida, Maria da Conceição de (2004-05), “Novos contextos das Ciências Sociais”, Cronos – Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), vol. 5-6, nº1-2, Jan-Dez.
Foucault, Michel (1993), História da sexualidade. (vol.1): A vontade do saber. Rio de Janeiro: Graal.
Giddens, Anthony (1994), As transformações da intimidade. São Paulo: Editora UNESP.
_______ (1991), As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP.
Hall, Stuart (2001), A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.
Maffesoli, Michel (2007), “Homossocialidade: da identidade às identificações”, Bagoas, Estudos Gays – Gêneros e Sexualidades. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, vol.1, nº1, Jul-Dez.
Mott, Luiz (2007), “Antropologia, teoria da sexualidade e direitos humanos dos homoafetivos”, Bagoas, Estudos Gays – Gêneros e Sexualidades. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, vol.1, nº1, Jul-Dez.
Pasini, Willy (1996), Intimidade, muito além do amor e do sexo. Rio de Janeiro: Rocco.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

XV JANEIRO DE GRANDES ESPETÁCULOS

COMENTÁRIO: “IGUAL SEM IGUAL”
Compassos Cia. de Danças
A “Compassos Cia. de Danças” apresentou, terça-feira (27/01) às 20h30min, no Teatro Barreto Júnior, o espetáculo intitulado “Igual sem Igual”, com direção, concepção e coreografia de Ivaldo Mendonça.
A direção de Ivaldo Mendonça deixa em destaque uma profusão de elementos escolhidos para compor o que seria o fio condutor de sua criação, “uma nova discussão sobre a desordem em que se encontra emergida a nossa sociedade [...]”. Desordens múltiplas, o espetáculo obviamente não as abarca todas, o que deixa transparecer que a falha é na escolha de um foco para o projeto.
A discussão de Mendonça pretende ir além, buscando “traduzir através da dança contemporânea, as distinções e as não-semelhanças desta desorientação aparentemente interminável”. A tarefa da tradução é árdua, principalmente, para um sistema aberto como a dança contemporânea. Ainda mais quando se busca traduzir o que parece ser análogo como “as distinções e as não-semelhanças desta desorientação [...]” da sociedade. A desorientação que Mendonça expõe em cena não está enfocada e “as distinções e as não-semelhanças” (o que são a mesma coisa) complicam essa que poderia ser a direção da pesquisa coreográfica. Parece haver problema na redação do release de “Igual por Igual”: confuso e sem uma revisão.
Apesar de uma ótima trilha sonora, originalmente composta para o espetáculo por André Freitas, o projeto coreográfico de Ivaldo Mendonça não a valoriza. Muitas vezes a música não parece ambientar de forma personalizada o espetáculo, onde deixa parecer que o compositor trabalhou separadamente em seu estúdio e o coreógrafo no dele. O que não é um problema, no entanto, a direção de Mendonça destaca essa distinção de linguagens – que não parece ser a proposta.
A coreografia de Ivaldo Mendonça apresenta momentos interessantes e outros previsíveis. Está bem defendida pelo elenco que se mostrou eficiente, com destaque para o elenco feminino, composto pelas bailarinas Elis Costa, Janaína Gomes e Patrícia Costa. Gervásio Braz ainda parece tímido na exploração das qualidades de movimento propostas por Mendonça, e Raimundo Branco se mantém tímido e como um elemento de destaque – o que, pela direção de Mendonça (com assistência de Sandra Rino), não se entende a razão, deixando parecer que o bailarino foi “poupado” em cena.
Sandra Rino também assina os figurinos, que permitem bem a movimentação dos bailarinos. O design de Rino parte para uma opção casual, simples e mereciam uma pesquisa ou tratamento estético mais apurado. Ainda com relação ao figurino, pelas cores entre tons de cinza, preto e poucos brancos, há conflito com a opção cenográfica do espetáculo, onde a rotunda preta esconde ou não destaca os movimentos dos bailarinos e, por conseqüência, eles mesmos – o que também não parece ser uma proposta.
O plano de luz e execução de Eron Villar também é simples e não é inovador, mas é coerente com a proposta do espetáculo.
O espetáculo teve uma apresentação marcada por uma platéia complicada. Nela havia pessoas “de dança” e “de teatro”, o público em geral e, surpreendentemente, algumas crianças e uma maioria formada por estudantes do Pró-Jovem que, apesar de estarem lá por conta de uma iniciativa desse importante programa nacional de formação, em sua grande parte, infelizmente, pareciam não terem tido nenhuma informação dos seus instrutores sobre como se comportarem em uma sala de espetáculos.
Essa “mistura” interessante cedeu espaço a um “espetáculo” paralelo ao do palco na platéia: fenômenos sonoros à parte da trilha musical: manifestações de entusiasmo, celulares que tocavam (e eram atendidos!), comentários, conversas e até gritos; luzes de celulares; cabeças e troncos que se mexiam constantemente nas cadeiras e que, devido a pouca inclinação da platéia do teatro, exigia ajustes corporais para a observação do espetáculo. Logo, apesar de não ser interativo, o espetáculo parecia contar com coreografia no palco e na platéia (!).
Em linhas gerais, “Igual por Igual” inicia bem, apesar das interferências incontáveis da platéia, mas se perde o foco de atenção logo na segunda cena pela previsibilidade das escolhas da direção, principalmente pelas qualidades de movimento do projeto coreográfico que sempre variam nas afinidades entre o forte e rápido ou o lento e suave. Elementos como luz, figurino, cenografia e, por vezes, a música, parecem acompanhar essa direção.
O problema que de fato chama a atenção no espetáculo é a metodologia da concepção de Mendonça, que deixa escapar uma orientação, foco ou “afunilamento” no tratamento do tema por ele ser muito amplo – a desordem ou desorientação da sociedade - nas escolhas dos elementos e, principalmente, na pesquisa corporal desse tema. Há excesso nos elementos e uma preocupação maior com as formas que deixam o conteúdo em segundo plano, o que, por um tema que deveria exigir reflexão, o conteúdo deveria ser uma prioridade ou “andar junto” com a forma na pesquisa.
“Igual por Igual” promete ser diferente, mas, como em outros trabalhos de dança contemporânea, deixa a desejar no caminho entre a concepção do tema e a forma de realizar a pesquisa, o que acarreta – invariavelmente - em problemas na configuração da obra, independente da boa qualidade de alguns de seus elementos.

COMENTÁRIO: “IMAGENS NÃO EXPLODIDAS”
Cia. Etc de Dança
“Imagens não explodidas” é o título do espetáculo da Cia. Etc de Dança, apresentado às 19h do dia 28, no Teatro Apolo. Com direção e coreografia de Marcelo Sena (que também assina a trilha sonora original), o espetáculo tem o título tirado dos estudos de Sena em Música e sobre o trabalho do filósofo Giovanni Pianna.
Com uma direção bem cuidada, os elementos escolhidos por Sena para compor “Imagens...” são coerentes. Alguns conceitos da música e suas relações com o pensamento coreográfico, como “tempo, harmonia, sincronia e intensidades [...]” foram trabalhados, e Sena expõe que sua proposta é buscar “[...] pontos que possam convergir ou divergir no encontro dessas duas linguagens”. Entretanto, o que se observa, em grande parte, são apenas pontos de convergência, o que deixa o espetáculo parecer monótono.
As transições de cena são todas pontuadas por “black outs” longos, acarretando em uma certa perda na dinâmica do espetáculo e previsibilidade, deixando parecer que as cenas foram construídas como exercícios coreográficos. O que não é um problema, embora a atmosfera de estudo seja muito pontuada e levada à configuração do espetáculo.
A direção de Sena consegue contemplar a proposta de forma direta e despretensiosa. Entretanto, sem muito arrojo, o que acontece também coreograficamente e musicalmente. Nesse sentido, a coreografia de Sena trabalha com os conceitos que propõe de forma usual e sem surpresas. Talvez porque a proposta do espetáculo não seja inovadora e essa estratégia de criação já tenha sido um foco das pesquisas em dança pelos artistas do Judson Dance Theater nas décadas de 1960 e 1970, de outras formas, inclusive, mais interessantes.
Coreograficamente, a exploração de Sena poderia ter ido mais longe. Apesar de cumprir com o que se propõe a fazer, a coreografia é simples. Musicalmente, a trilha minimalista também cumpre sua tarefa, entretanto, pontua a atmosfera didática do espetáculo.
A opção do figurino – preto - reafirma a coerência do que parece ser uma escolha de um aspecto básico ao espetáculo. A luz de Luciana Raposo é eficiente, e os bailarinos – Sena e José W. Júnior - defendem bem a proposta.
“Imagens não explodidas” consegue atingir seu objetivo com simplicidade. O único ponto de ressalva é a exploração e a construção do tratamento do corpo no espetáculo, que poderia ter sido mais densa ou mesmo ter buscado uma distinção ou um caminho mais autoral.

COMENTÁRIO: “Coreológicas Recife”
Acupe Grupo de Dança
Interatividade foi a palavra que marcou a apresentação do Acupe Grupo de Dança, nesta quinta-feira, dia 29, às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Auxiliado pela estrutura do próprio teatro, o espetáculo “Coreológicas Recife” parece ter agradado o público presente, com uma forte presença de bailarinos, algumas crianças e o público em geral.
Com coreografia e direção de Isabel Marques, a idéia central do espetáculo é interagir ludicamente com a platéia, com um “[...] cunho explicitamente educativo, trabalhando de forma diferenciada os conceitos de Rudolf Laban na dança contemporânea”.
Com cenas que são divididas por uma estrutura facilmente reconhecível, Marques utiliza a trilha sonora para diferenciar uma cena da outra, onde uma música sempre se repete na transição das cenas e pontua o início da próxima. Como uma grande celebração, o público inteiro é convidado a entrar no jogo. Marques atinge seu objetivo com muito sucesso: mesmo com alguns membros da platéia com certo desejo de não participarem corporalmente da realização das propostas interativas – ou por medo, ou por inibição, ou mesmo por impossibilidade – o espetáculo não perdeu sua dinâmica.
A própria presença do corpo que assiste e ocupa o espaço delimitado pela rede, faz alusão ao corpo interage construindo o pensamento acerca do que assiste, buscando atentamente a compreensão das “coreo-lógicas” trabalhadas em cena. Entretanto, a direção parece não levar em conta a possível presença de pessoas com problemas ou deficiências físicas: o fato de todos entrarem “em cena” e terem de se sentar no chão já limita o tipo de público a que o espetáculo é dirigido, eliminando pessoas com certa obesidade, problemas de coluna, joelho, entre outros (como aconteceu comigo, que senti incômodo, a certa altura do espetáculo, por estar sentado no chão, devido ao meu problema de hérnia de disco). Por ter um “[...] cunho explicitamente educativo [...], essa é uma falha que deveria ser repensada.
Mesmo com essa que parece ser uma falha na direção, a coreografia de Marques agrada e está bem defendida pelo elenco formado pelos bailarinos Kiser, Paulo Henrique (também diretor da companhia), Roberta e Mieja. Destaque para as bailarinas Mieja, por sua neutralidade em cena e performatividade, e Roberta, por sua ótima qualidade na execução dos movimentos.
A luz, assinada por ..., contempla bem a proposta do espetáculo, assim como a cenografia de ... e a música de Marcelo Sena.
Laban deve estar feliz com a forma que Marques trabalha seus conceitos. O espetáculo é mesmo dança-educativo e os conceitos de peso, espaço, tempo, fluxo e qualidades de movimento estão lá, mesmo que não se quisesse trabalhar com elas. Essas qualidades de movimento, no entanto, deveriam ser um maior foco de atenção no estudo dos bailarinos, onde a execução, por vezes, deixa escapar um cuidado que deveria ser especial nessa que é a proposta de Marques.
“Coreológicas Recife” diverte e é “leve”. Sua preocupação com o trabalho educativo através da dança é de grande importância para os estudos em Dança e em Educação, e pode potencialmente dar origem a outras pesquisas nessas áreas.

COMENTÁRIO: "Vire ao Contrário"
Cia. Qualquer Um dos Dois
Com coreografia e direção de Jailson Lima, o espetáculo “Vire ao Contrário”, da Cia. Qualquer um dos Dois foi apresentado no Teatro Apolo, no “XV Janeiro de Grandes Espetáculos”, em Recife (PE).
“Vire ao Contrário” apresenta uma proposta ambiciosa para qualquer projeto coreográfico: “mergulhar nas relações humanas através da dança contemporânea”. E não se realiza. As relações são muitas e o enfoque dado não fica claro.
A princípio, não se observa relação entre o título do espetáculo e o que é apresentado: a não ser em um plano de análise excessivamente metafórica do título, deixando margem para muitas leituras subjetivas, inclusive, de gênero, já que o espetáculo tem um elenco exclusivo de rapazes – o que é o grande trunfo e surpresa do espetáculo, para uma companhia de dança formada no interior de Pernambuco – uma grande atitude política.
Outro ponto importante é a questão do projeto coreográfico, onde a escolha de um vocabulário técnico-estético não foi apropriada para o elenco. Bailarinos promissores, entretanto, o projeto coreográfico não os contempla: a coreografia de Jailson Lima peca pelos excessos de elementos - tanto de movimentos quanto de adereços.A luz, as transições de cenas e o figurino, apesar de não apresentarem inovação alguma, são eficientes e coerentes. A trilha sonora, em sua maior parte, composta por músicas de Moby, causa uma sensação de flutuação, onde parece ter sido forçadamente encaixada na proposta. Além disso, deixou incomodar o fato de que parecia haver um problema no equipamento ou na mídia de som utilizada, com interferências nas músicas, especialmente na segunda metade do espetáculo.O saldo da apresentação é mediano, prejudicado pelas escolhas da direção, principalmente na questão do sistema técnico-estético, que prejudica a qualidade dos bailarinos e, por conseqüência, do espetáculo.Ponto positivo e digno de destaque e aplausos: a presença de homens – e muitos – em cena. E o fato de haver uma companhia de dança inteiramente formada por eles, principalmente, no contexto ou ambiente em que está inserida. Esta é uma iniciativa poderosa, que pode vir a servir de objeto para estudos de política e de gênero na Dança, tão recorrentes na contemporaneidade. Nesse sentido, a companhia mostra de forma explícita e brilhante o que o release do espetáculo promete: “a condição do homem diante dos conflitos e das possibilidades de escolhas, tantas vezes resistindo a mudanças”.