domingo, 21 de dezembro de 2008

REFLEXÃO - DISCURSO E JOGO

Acredito que a dança tem um potencial elevado de conduzir a um discurso. Discurso este que pode estar conectado diretamente a interesses do artista que cria ou a interesses de sistemas. De uma forma ou de outra, suponho que as subvenções a trabalhos artísticos em dança podem estar relacionados a idéias que os sistemas buscam promover através das criações artísticas – e, sendo assim, o artista pode estar consoante com esses interesses ou estar sendo usado, sem ter a devida consciência do potencial discursivo de seu trabalho. Proponho que a dança, nesse caso, pode servir de instrumento para um discurso dos sistemas.
Mesmo com a abstração intrínseca de suas configurações, ou seja, com a alta gama de leituras que podem ser feitas em torno de uma obra artística em dança, essas interpretações podem ser direcionadas ou focalizadas para intenções políticas, por exemplo. Na verdade, creio que o artista não está isento de uma prática política em seu trabalho.
Responsabilidade do artista, a sua obra apresenta um discurso inerente que está de acordo com sua visão de mundo, crenças e valores. O artista detém o poder de explicitar e lançar suas idéias e promovê-las, reverberá-las através do olhar do observador.
Nesse sentido, proponho que no exercício de assistir configurações em dança, o observador cumpra um papel ativo, e não apenas de observador passivo, distante de uma visão crítica e de suas idéias a respeito do que vê. Proposta que não é inovadora. Entretanto, é importante relembrar nos dias atuais da necessidade de uma leitura crítica diante do mundo e que a dança não está livre de discursos que estão relacionados ou conectados a interesses que devem ser percebidos ou descobertos. Assim, o observador atento torna-se também uma importante peça na “liturgia” da dança: não é apenas o artista que celebra e promove o seu discurso em cena, mas a platéia cumpre o papel de fazer suas próprias conexões e, assim, cabe a ela também fazer parte dessa celebração.

Citando Adorno, Zygmunt Bauman (2001), sociólogo polonês e grande pensador da atualidade, escreve:

“A história das antigas religiões e escolas, como a dos partidos e revoluções modernas, nos ensina que o preço da sobrevivência é o envolvimento prático, a transformação das idéias em dominação” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.53).

Em outro momento, Bauman também cita Adorno, que diz:

“Nenhum pensamento é imune à comunicação, e fazê-la no lugar errado e num acordo equivocado é o suficiente para solapar a sua verdade [...] Pois o isolamento intelectual inviolável é agora a única maneira de mostrar algum grau de solidariedade. [...] O observador distante está tão envolvido quanto o participante ativo; a única vantagem do primeiro é a visão desse envolvimento e a liberdade infinitesimal que reside no conhecimento enquanto tal” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.52).

Concordando com Adorno (apud Bauman, 2001), na pós-modernidade, estamos mais envolvidos do que podemos crer – como observador ou como participante ativo - na construção de um mundo onde as implicações de nossos atos ressonam e, sistemicamente, podem gerar resultados não previsíveis e de proporções incalculáveis.
Cabe a nós, artistas ou observadores, estarmos cientes do papel que cumprimos e que idéias estão sendo estendidas, expandidas, replicadas. Assim, evitamos que sejamos peças em um jogo que não temos o poder de jogar. Sejamos os piões, as damas, as torres e os reis – e lancemos nossas idéias – nós mesmos.



REFERÊNCIA:


BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Um comentário:

  1. Acho que somos cada vez menos "participantes ativos". A sociedade está fazendo da arte e ciências humanas um elemento descartável da vida das pessoas. Sendo assim, a capacidade de filosofar sobre os sistemas, de pensar abstratamente, de fazer relações entre a prática e a teoria, que tais ciências ajudam muito a construir, está esvaindo-se a cada dia na nossas vidas. Criamos, produzimos, mas não somos capazes de somar a isso os efeitos e consequências. Assistimos, cada vez mais passivamente, de nossas bancadas, como atônitos espectadores, ao nosso show de criações, que vivem por si só, sem freios, e destroem a nós, os seus próprios criadores. Raciocínio robotizado, fragmentado, disperso, é isso que temos. Precisamos de arte, cultura para entendermos os processos, o pensamento e seu desenvolvimento, percebermos diferenças e semelhanças, origem e fim e aprendermos a traçar caminhos objetivos e contínuos, sem nos perdemos de nós mesmos e daquilo a que se chama vida.

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