segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O QUE É DANÇA CONTEMPORÂNEA?

o QUE É DANÇA CONTEMPORÂNEA? Talvez o interessante artigo de Airton Tomazzoni, extraído do site I.Danca.net, possa nos dar algumas pistas e desvendar esse "segredo".
Acesse o artigo também no link:
<http://idanca.net/2006/04/17/esta-tal-de-danca-contemporanea/>

Esta tal de dança contemporânea
por Airton Tomazzoni · 17/04/2006
Este texto foi originalmente escrito para a revista Aplauso (nº 70)

– Tu faz dança? Que legal! Mas que tipo de dança?– Dança contemporânea.
O sujeito fica parado e depois de vencer o constrangimento:
– Mas o que é essa tal de dança contemporânea?
Daí o vivente, que faz dança contemporânea e sabe bem o que faz, se vê em apuros para dar uma resposta clara. Afinal, dança contemporânea não é uma técnica ou método que vem com rótulo. Então, ele arrisca:
– Sabe o Quasar Cia. de Dança? – que o vivente acha referência no país e crê ser bastante conhecida.
O sujeito permanece na mesma.
– E o Grupo Corpo? – ele lembra, já entrando em desespero. – E Deborah Colker? – ainda que não fosse o melhor exemplo que você quisesse dar.– Ah, já vi na televisão, responde o sujeito finalmente com um brilho no olhar de quem agora pode encerrar a conversa.
E o vivente, com a certeza de que não conseguiu explicar e que melhor que explicar era sugerir que assistisse a um espetáculo.
A realidade é esta que o suposto diálogo acima ilustra. A idéia de dança contemporânea não consolidou uma referência para a maioria do público (e mesmo para a comunidade de dança), ainda mais num Estado que vê com desconfiança aquilo que não é tradição. E isso vale muitas vezes para quem produz, ou acha que produz, dança contemporânea. Basta ver a confusão em tantos festivais competitivos. O território da dança contemporânea é um vale-tudo. Passos de jazz com música experimental. Neoclássico ao som do diálogo dos bailarinos. Dança de rua com um toque de vanguarda. E a obra, nesta lógica estapafúrdia, é avaliada por especialistas de toda ordem, menos de dança contemporânea.
Esta realidade tem como origem a rara circulação de informações e o consumo de informações descontextualizadas e superficialmente elaboradas. A qualidade dessas informações é essencial e precisa ser difundida a quem pretende preparar um treinamento, criar, julgar e apreciar a dança contemporânea. Não dá para saborear morangos e reclamar de que não têm gosto de figos. Ninguém curte uma partida de futebol sem conhecer as regras do jogo. Nesse sentido, é preciso apresentar alguns fatos, ainda que de forma sintética, para que eles possam falar desta tal de dança contemporânea.
Fato 1. A dança contemporânea não é uma escola, tipo de aula ou dança específica, mas sim um jeito de pensar a dança. Forjada por múltiplos artistas no mundo, teve nas propostas da Judson Church, em Nova York, na década de 60, sua mais clara formulação de princípios. Dentre eles, o de que cada projeto coreográfico terá de forjar seu suporte técnico. E que ter um projeto é percorrer escolhas coerentes, como o fez Trisha Brown – e também, longe dali, na Alemanha, Pina Bausch, com sua dança-teatro, nos anos 70. Tal princípio implicou tanto a preservação de aulas de balé nutridas por outras técnicas e linguagens quanto o abandono do balé e a incorporação, por exemplo, de técnicas orientais. Assim, passou a se constituir uma infinidade de alternativas, como o teatro-físico do DV-8 (companhia inglesa composta só por homens, que aborda a homofobia e que recorreu ao uso de corpos que expressam força, agressividade e sexualidade, coisa que o balé não podia fornecer).
Fato 2. Não há modelo/padrão de corpo ou movimento. Portanto, a dança não precisa assombrar por peripécias virtuosas e nem partir da premissa de que há “corpos eleitos”. Na dança contemporânea, a máxima repetida por pedagogos ortodoxos de que “não é tu que escolhes a dança, mas a dança que te escolhe” não tem sustentação. E, dessa forma, pode-se reconhecer a diversidade e estabelecer o diálogo com múltiplos estilos, linguagens e técnicas de treinamento.
Fato 3. Dança é dança. A dança contemporânea reafirma a especificidade da arte da dança. Dança não é teatro, nem cinema, literatura ou música. Apesar de poder ganhar muito com a cooperação dessas artes. A dança não precisa de mensagem, de história e mesmo de trilha sonora. O corpo em movimento estabelece sua própria dramaturgia, sua musicalidade, suas histórias, num outro tipo de vocabulário e sintaxe.
Fato 4. The Mind is a Muscle, proclamou Yvone Rainer quando a dança pós-moderna norte-americana abalava o estabilishment. Pensamento e corpo, tão separados na tradição ocidental, não são entendidos como lugares estranhos um ao outro. Até mesmo a ciência já traz evidências de que razão e emoção não são opostos. O pensamento se faz no corpo e o corpo que dança se faz pensamento. Isso não implica uma cerebralização fria, no caminho de uma dança conceitual, nem na biologização vazia da dança. Tal princípio não exime a qualidade técnica, nem o sabor e o prazer de dançar. Ele ressalta a complexidade que precisa ser compreendida.
Tais fatos precisam começar a ecoar, se o objetivo é saber o que é esta tal de dança contemporânea, que as pessoas insistem em dizer que fazem e que insiste em permanecer em cartaz em teatros, calçadas, estúdios. (Não foi à toa que Fato. se chamava o recente e provocante espetáculo da coreógrafa gaúcha Tatiana da Rosa.) Fatos que estão se estabelecendo em obras sensíveis e inteligentes, construídas dentro destes princípios na temporada 2005, em Porto Alegre, como In-compatível, de Eduardo Severino, ou Bu, da Meme – Centro Experimental do Movimento. A mesma qualidade está no trabalho de Nei Moraes, em Caxias do Sul, e Luciana Paludo, em Cruz Alta.
A partir desses fatos, pode-se muito (mas não se pode qualquer coisa). A liberdade trazida pela perspectiva da dança contemporânea não dispensa idéias fortes e a inventividade das grandes obras de qualquer forma artística, nem um domínio técnico (ainda que isso não caiba mais apenas nas esfera do aprendizado de passos corretos). A dança contemporânea evidencia que escolhas estéticas revelam posturas éticas. Numa época de tantas barbáries impostas ao corpo, é preciso recuperar esta ética quando se escolhe fazer arte com o corpo – seja o seu, seja (principalmente) o dos outros.
A dança contemporânea parece ter aceitado a provocação, com ecos de contemporaneidade, de Jean George Noverre. O mestre de dança, em 1760, ao falar sobre o balé e as rígidas regras da dança da época, afirmava: “Será preciso transgredi-las e delas se afastar constantemente, opondo-se sempre que deixarem de seguir exatamente os movimentos da alma, que não se limitam necessariamente a um número determinado de gestos”. Num mundo de tantas conquistas e descobertas sobre nós, seres humanos, seria no mínimo redutor ficar tratando a dança como apenas uma repetição mecânica de passos bem executados. Fazer tais passos, na música, ursos, cavalos e poodles também fazem. Creio que o ser humano pode ir mais longe que isso. Talvez este seja o incômodo proposto por esta tal de dança contemporânea. O de que podemos ser mais e muitos.

Airton Tomazzoni é jornalista, coreógrafo, professor do curso de Graduação em Dança da Fundarte/UERGS, diretor do Centro Municipal de Dança de Porto Alegre, coordenador do Seminário Nacional de Dança e Educação. Diretor da Bailimbembom Cia de Danças e Afins. Local: Rio Grande do Sul, Brasil.

domingo, 21 de dezembro de 2008

REFLEXÃO - DISCURSO E JOGO

Acredito que a dança tem um potencial elevado de conduzir a um discurso. Discurso este que pode estar conectado diretamente a interesses do artista que cria ou a interesses de sistemas. De uma forma ou de outra, suponho que as subvenções a trabalhos artísticos em dança podem estar relacionados a idéias que os sistemas buscam promover através das criações artísticas – e, sendo assim, o artista pode estar consoante com esses interesses ou estar sendo usado, sem ter a devida consciência do potencial discursivo de seu trabalho. Proponho que a dança, nesse caso, pode servir de instrumento para um discurso dos sistemas.
Mesmo com a abstração intrínseca de suas configurações, ou seja, com a alta gama de leituras que podem ser feitas em torno de uma obra artística em dança, essas interpretações podem ser direcionadas ou focalizadas para intenções políticas, por exemplo. Na verdade, creio que o artista não está isento de uma prática política em seu trabalho.
Responsabilidade do artista, a sua obra apresenta um discurso inerente que está de acordo com sua visão de mundo, crenças e valores. O artista detém o poder de explicitar e lançar suas idéias e promovê-las, reverberá-las através do olhar do observador.
Nesse sentido, proponho que no exercício de assistir configurações em dança, o observador cumpra um papel ativo, e não apenas de observador passivo, distante de uma visão crítica e de suas idéias a respeito do que vê. Proposta que não é inovadora. Entretanto, é importante relembrar nos dias atuais da necessidade de uma leitura crítica diante do mundo e que a dança não está livre de discursos que estão relacionados ou conectados a interesses que devem ser percebidos ou descobertos. Assim, o observador atento torna-se também uma importante peça na “liturgia” da dança: não é apenas o artista que celebra e promove o seu discurso em cena, mas a platéia cumpre o papel de fazer suas próprias conexões e, assim, cabe a ela também fazer parte dessa celebração.

Citando Adorno, Zygmunt Bauman (2001), sociólogo polonês e grande pensador da atualidade, escreve:

“A história das antigas religiões e escolas, como a dos partidos e revoluções modernas, nos ensina que o preço da sobrevivência é o envolvimento prático, a transformação das idéias em dominação” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.53).

Em outro momento, Bauman também cita Adorno, que diz:

“Nenhum pensamento é imune à comunicação, e fazê-la no lugar errado e num acordo equivocado é o suficiente para solapar a sua verdade [...] Pois o isolamento intelectual inviolável é agora a única maneira de mostrar algum grau de solidariedade. [...] O observador distante está tão envolvido quanto o participante ativo; a única vantagem do primeiro é a visão desse envolvimento e a liberdade infinitesimal que reside no conhecimento enquanto tal” (ADORNO apud BAUMAN, 2001, p.52).

Concordando com Adorno (apud Bauman, 2001), na pós-modernidade, estamos mais envolvidos do que podemos crer – como observador ou como participante ativo - na construção de um mundo onde as implicações de nossos atos ressonam e, sistemicamente, podem gerar resultados não previsíveis e de proporções incalculáveis.
Cabe a nós, artistas ou observadores, estarmos cientes do papel que cumprimos e que idéias estão sendo estendidas, expandidas, replicadas. Assim, evitamos que sejamos peças em um jogo que não temos o poder de jogar. Sejamos os piões, as damas, as torres e os reis – e lancemos nossas idéias – nós mesmos.



REFERÊNCIA:


BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

QUAL E COMO? SOBRE O ENSINO DE TÉCNICAS DE DANÇA NO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ED.FÍSICA DA UFPB

O professor de Educação Física formado no curso de licenciatura está habilitado a lecionar a disciplina dança como conteúdo na Educação Física escolar. De acordo com o currículo vigente na Universidade Federal da Paraíba - UFPB, a disciplina Metodologia do Ensino da Dança oferecida no curso de graduação em Educação Física tem carga horária de 60 horas e apresenta na ementa as unidades História da Dança, Técnicas de Dança Clássica e Moderna, Prática de Composição e Dança Contemporânea e Pedagogia da Dança. De acordo com essa ementa, subtende-se que o aluno graduado está apto a desenvolver qualquer atividade de dança com seus alunos, inclusive com a utilização de técnicas de danças das ditas teatrais ou espetaculares.
Na prática, um professor de dança é aquele que tem uma boa formação na prática de técnica(s), entende e orienta no treinamento das mesmas, interferindo pedagogicamente no sentido de informar o aluno na forma adequada da realização do movimento, para evitar lesões e no sentido de um determinado vocabulário técnico-estético pré-estabelecido ou desenvolvido.
A formação de um bailarino nas técnicas de dança clássica ou moderna não pode ser inferior a seis meses ininterruptos de treinamento (o que não significa dizer que seis meses é o tempo ideal – apenas refere-se ao tempo que o aluno de Educação Física tem contato com essa disciplina na sua graduação, sem mencionar o tempo que tem contato com disciplinas afins, como Ginástica Rítmica e Manifestações Populares).

Em cursos técnicos, como a exemplo da Escola de Danças do Teatro Bolshoi no Brasil[1], em Joinville (SC), a formação de um (a) bailarino (a) pode durar até oito anos, em um currículo voltado para a técnica de dança clássica. Sua conclusão junto ao nível médio capacita o profissional de nível técnico na área de artes, com habilitação em “dança - Artista de Balé”.
O treinamento da dança através de uma técnica específica fornece condições para o estudante conscientizar-se do seu corpo e das infindas possibilidades que ele produz esteticamente através de sua expressão motora. Quanto mais informações motoras o corpo absorve ou detém, mais “vocabulário” ou, em outras palavras, mais possibilidades de expressão ele é capaz de gerar ao desconstruir essas técnicas. Por esta razão, o corpo treinado adequadamente nas técnicas de dança através de um ensino consciente, pode proporcionar ao corpo que dança um domínio motor de natureza rica, incontável. De maneira oposta, o mau treinamento em qualquer técnica é capaz de produzir lesões (MARKONDES, 1998 apud GREGO, 2002) e prejudicar na motivação intrínseca para a realização da atividade (TRESCA; DE ROSE JR., 2000).
Além da prática, o bailarino deve conhecer, mesmo que apenas em noções básicas, música, história da dança e anatomia. Para um professor, essas informações, além de aprofundadas, devem ser somadas à pedagogia e metodologia do ensino e didática.
Sendo assim, a formação de um professor de dança que aplique alguma técnica de dança - como a clássica - não deve ser inferior a esse tempo, o que não é certo dizer ou pensar que o graduado em uma licenciatura em Educação Física tem autonomia e conhecimento prático e teórico suficiente para lecioná-las sem nunca as ter vivenciado anteriormente. Mesmo sendo habilitado a lecionar dança na escola, é importante se delimitar que dança é essa, e que prática de dança o professor de Educação Física, assim como o licenciado em Artes e/ou Dança pode e/ou deve ensinar no âmbito escolar.
Com um tempo limitado e um conteúdo condensado para a absorção de informações motoras essenciais para o conhecimento básico das técnicas de dança clássica e moderna, ou mesmo para introdução de algum conteúdo como o de contato-improvisação, técnica muito utilizada em trabalhos de dança contemporânea na atualidade, o graduando em Educação Física não consegue conhecer com apuro nenhum dos vocabulários ou repertórios motores que fazem parte da extensa gama das técnicas de dança.
Mesmo a nível introdutório, o conhecimento de algumas estruturas básicas como passos de ligação, grandes e pequenas poses que fazem parte do repertório da técnica de dança clássica, ou movimentos como uma contração profunda (“deep contraction”), típico do sistema técnico-estético desenvolvido por Martha Graham, ou giros, movimentos comuns a variadas técnicas, ou até uma forma eficiente de “cair” e usar o chão para dançar sem se machucar, não conseguem ser bem treinados e executados no decorrer de cinco meses letivos, na freqüência de quatro créditos semanais em um programa que reúne aulas teóricas de história da dança e pedagogia da dança, além do conteúdo prático-teórico (indissociáveis) de composição coreográfica.
Nessa perspectiva, qual o sentido obrigatório do cumprimento de aulas de algumas dessas técnicas se o conteúdo pode ser descartado pelos futuros professores pela falta de consistência ou pela efemeridade desse aprendizado?

Em virtude do pouco tempo, o melhor que pode ser alcançado pelo professor de Metodologia do Ensino da Dança é despertar a curiosidade do aluno acerca da existência dessas e de outras tantas técnicas de dança e a riqueza do material histórico que elas trazem em seu vocabulário motor. Além disso, uma outra opção é mostrar de que forma elas influenciam na dança da atualidade, levando-o a buscar mais informações sobre a prática e a teoria da dança (indissociáveis) em variadas fontes, na melhor das hipóteses.
No caso da situação corrente da capital paraibana, a dança enfrenta um estado de carência total de profissionais da área com formação sólida. Não existem na cidade cursos técnicos nem superiores de formação, o que nos faz pensar: como refletir sobre um ensino de dança adequado para o currículo escolar na cidade de João Pessoa se não existe um profissional de dança devidamente preparado para atuar na escola?

Aqui, um parêntese e um paradoxo: os cursos livres[2] crescem em quantidade. Quem são esses professores? Que procedimentos pedagógicos e metodológicos utilizam em suas aulas? Suas aulas favorecem o bom desenvolvimento psicomotor e social do aluno? E, como pergunta crucial: qual a formação desse professor? Essa questão é fundamental, pois a formação do professor influi diretamente na percepção que ele tem de dança e na forma que aplica os conteúdo.
Não é objetivo dessa reflexão discutir a natureza, validade e função dos cursos livres, entretanto, ficam esses questionamentos, uma vez que há o livre exercício desses “profissionais” nessa cidade sem a devida fiscalização de um órgão competente – que também não existe: há um vácuo de regulação para essa atividade - portanto, acesso livre para qualquer indivíduo que se intitule professor de dança, coreógrafo ou bailarino exercer essas atividades.

A dança na escola

Dançando é possível Educar e Educar-se, utilizando os recursos do movimento e da música. A Dança é, portanto, elemento fundamental para Formar e Informar o indivíduo, pois desperta nele a possibilidade de crescer em interação Consigo Mesmo, com o Outro e com o Meio (SAMPAIO, 2005).

Muitos autores discorreram sobre a importância da dança na escola e seu papel (EHRENBERG, 2003; GASPARI, 2002; GARIBA, 2005; LUCAREVSKI; SANTOS; SILVA, 2005; MARQUES, 2003; MARQUES, 2001; SBORQUIA, 2002; STRAZZACAPPA, 2001) que possibilita "compreender, desvelar, problematizar e transformar as relações que se estabelecem entre etnias, gêneros, idades, classes sociais e religiões" (MARQUES, 2003). Em João Pessoa, podemos entender os cursos livres de dança oferecidos como um passo de preparação para a entrada da dança no currículo escolar.

Dissociada do teatro, a dança aparece nos PCN´s desde o ano de 1997 como linguagem específica de Arte (MARQUES, 2003).
A dança na escola pode ser entendida como parte integrante do programa de educação física escolar, ser lecionada como parte do programa de artes ou, até mesmo, como forma independente de qualquer conteúdo programático de outra disciplina. Dança na escola como dança na escola. Tão importante quanto matemática, português, educação física ou ciências.

O corpo é o veículo através do qual o indivíduo se expressa, mesmo assim, o movimento corporal humano acaba ficando dentro da escola, restrito a momentos precisos como as aulas de educação física e o horário do recreio (STRAZZACAPPA, 2001, p.69).

A dança na escola é forma de conhecimento, elemento essencial para a educação do ser social. De acordo com Marques (2003. p. 25) “é por meio dos corpos, dançando, que os sentimentos cognitivos se integram aos processos mentais e que se pode compreender o mundo de forma diferenciada, ou seja, artística e estética”. Marques (2003, p. 25) ainda defende que os alunos não mais apreendem o mundo somente por meio das palavras, mas, principalmente, por meio das imagens e dos movimentos. Segundo Strazzacappa (2001, p. 73), independente da linha ou estilo escolhido pelo professor para desenvolver a dança dentro da escola, o importante é que através dela se podem trabalhar os elementos que se consideram importantes para o desenvolvimento integral do indivíduo na escola. Gehres reflete sobre a inserção da dança na escola, dizendo que:

A dança deve estar no ensino fundamental e médio de forma múltipla, sob a forma curricular e/ou não curricular, desenvolvida por profissionais de Educação Física e/ou do Ensino da Arte, com e sem especialização em dança, ou ainda por profissionais com preparação acadêmica específica em dança, pois a dança está presente nas comunidades escolares, como diversão, possibilidade de profissionalização, transcendência, atividade física, técnica corporal e outros. Tornar o acesso sistemático a ela um direito dos escolares, significa ampliar conseqüentemente a vivência dos seus significados no sentido de se apropriar desses como atores/atrizes sociais: cidadãos (GEHRES, 2004, p.2).

A dança no âmbito escolar não deve ter a função de formar bailarinos. Como prática, deve proporcionar a experiência subjetiva e respeitar o contexto sócio-cultural dos alunos, assim como privilegiar seu desenvolvimento psicomotor e cognitivo. Elementos de composição coreográfica e improvisação, assim como história da dança para relacionar os conteúdos e contextualizá-los, são indicados como conteúdo ideal para o âmbito escolar (MARQUES, 2003), pois estimulam o potencial criador da criança e suas experiências motoras subjetivas, que são automaticamente a expressão de como percebe e apreende o mundo através de imagens e movimento. Nesse enfoque, um olhar sobre o sistema Laban acorre como importante ferramenta para uso do professor como teoria do movimento para o exercício de composição.
Porpino (2001, p. 4) considera que, numa estratégia pedagógica direcionada para a dança, não se cabe negar as manifestações veiculadas pela mídia. Contudo, faz-se necessário introduzir nas aulas outras formas dançantes, para que seja possível a criação de novos sentidos no dançar.
Parte-se aqui então do pressuposto de que a dança na escola não se propõe a formar bailarinos e que tem um papel social indiscutível e uma aplicação de grande utilidade na formação de aspectos psicomotores da criança dentro do âmbito escolar. Do mesmo ponto, entende-se que o professor licenciado em Artes, Educação Física e Dança pode atuar na escola, e, em igual nível, pode ministrar dança no conteúdo de suas aulas. Atendo-se no que se refere à preparação do professor de Educação Física para incluir conteúdos de dança nos seus conteúdos programáticos, e, tendo em vista a situação de carência de profissionais de dança na cidade e o curto período de contato de graduandos em Educação Física com a disciplina Metodologia do Ensino da Dança na sua formação universitária, discutir-se-á a importância do ensino de técnicas de treinamento em dança na licenciatura em Educação Física da Universidade Federal da Paraíba.

As técnicas de dança para graduandos em Educação Física (licenciatura)

Sampaio (2005, p. 3) diz que o objeto de pesquisa da Educação Física é o movimento humano. Em se tratando de Educação Física, o desenvolvimento de três níveis de conhecimento é resgatado: o sócio-afetivo, o cognitivo e o motor. O conhecimento sócio-afetivo visa a desenvolver o indivíduo como pessoa, estimulando a formação de uma personalidade estável e equilibrada; o conhecimento cognitivo está ligado ao desenvolvimento intelectual e à operação dos processos reflexivos, e o conhecimento motor trata diretamente do movimento e do seu desenvolvimento.
De acordo com Sampaio (2005, p. 3), tomando como reflexão essas fases de desenvolvimento humano e esses níveis de conhecimento, pode-se entender que o homem, para ser completo, precisa ser visto como um ser físico-cognitivo-emocional. O autor ainda discorre citando que os campos desenvolvem-se simultaneamente, com ou sem a intervenção de um facilitador, mas que se uma dessas partes não for estimulada convenientemente, o indivíduo se desequilibra, refletindo essa deficiência nas outras duas partes.

Concordando com Sampaio (2005, p. 3), sendo o movimento humano o objeto de pesquisa da Educação Física, a dança, dessa forma, perpassa pelos seus estudos. Caracterizada por sua inserção espaço-temporal, circunscrevendo em ambos a sua existência, a dança é materialmente percebida pelo movimento do corpo. Para diferenciar os domínios, entende-se dança como Arte. Para a Educação Física, a dança pode ser tida como ferramenta para uso interdisciplinar nos esportes que são acompanhados de música e ritmo na relação espaço-temporal que é também estabelecida na dança, como a ginástica rítmica, o nado sincronizado, ginástica aeróbica e a patinação.

Nos esportes, a técnica é usada como um fim, ou seja, a precisão da execução através do domínio do uso da técnica é o objetivo final, para que se vença uma competição.
Na dança, a técnica é apenas um meio para se atingir um fim: a comunicabilidade - expressão - ou/e o questionamento, objetivo próprio de toda Arte. É importante o domínio da técnica pelo bailarino, mas ela não desempenha sua função apenas no seu uso: a expressividade é quem se sobrepõe à técnica para determinar o uso adequado dela para cada obra específica. Do contrário, a dança se torna uma reunião de movimentos sem sentido, com ou sem um acompanhamento musical - o que ainda não a destitui de ser dança, mas, questiona-se seu sentido como Arte.

O educador físico que opta pela arte da dança como um conteúdo da educação física escolar deve estar atento e consciente do poder que tem nas mãos e de como usá-lo, discutindo na prática as questões de gênero, corpo e etnias, num exercício plural da dança como formação do aluno/sujeito social, que interage com harmonia e participa das atividades modificando a realidade mesmo que a nível comunitário, plantando sementes de cidadania em um exercício de acesso à verdadeira função da Arte: transformação.

É preocupante a dança na escola que é apenas reprodução de modelos da mídia ou repetição de métodos de técnicas ortodoxas de danças sem o mínimo de discernimento nem planejamento no sentido de contextualizar algumas práticas comuns como a dança clássica, o jazz-dance, a dança de rua, entre outros estilos normalmente presentes nas academias da cidade e cursos livres para atender a demanda provocada por sua procura. Como disciplina de formação ou mesmo fazendo parte de conteúdos da educação física escolar, a dança deve ser um exercício prático para despertar uma visão crítica do mundo.

A escola tem a função de sociabilizar o conhecimento; cabe a ela a análise das informações que circulam na sociedade e a sua sistematização junto aos alunos, para que eles possam compreender a realidade na qual estão inseridos (SBORQUIA, 2002, p. 58).

Utilizando os repertórios dos alunos, ou seja, danças que eles gostam e podem levar para as aulas, ou até gerando material coreográfico através de jogos com uso de música mecânica ou instrumentos musicais, ou mesmo com canções sugeridas pelos alunos, os jogos desenvolvidos nas aulas podem se tornar um campo fértil para pesquisa de movimentos que podem ser aproveitados como novos repertórios coreográficos. O professor como um coreógrafo, semelhante ao “DJ” (KATZ, 1998), pode utilizar-se das informações motoras que surgem para basear uma nova coreografia. Arranjando, selecionando, editando, repetindo, fragmentando movimentos, ou seja, utilizando algumas técnicas de composição, mesmo que oriundas da linguagem da música absorvidas pelo “fazer” da dança, o “DJ-professor” pode produzir trabalhos com material colhido nas aulas, levando em consideração as sugestões dos alunos, trabalhando em conjunto para um exercício constante da troca de experiências, motivando e proporcionando a sociabilidade e auto-afirmação. Essa é uma das infinitas propostas que podem ser trabalhadas.

Na lógica de uma proposta de uso de técnicas de composição, qualidades de movimento/esforços (sistema Laban) e contextualização das práticas através do conhecimento adequado de história da dança, o professor de educação física pode ministrar a dança se tem o devido acesso a esses conteúdos de forma aprofundada no seu curso de graduação, sem deixar de lado a importância de (re)conhecer diferentes estilos e técnicas, sem, contudo, a necessidade estar treinado nelas porque na sua atuação profissional não irá aplicá-las. Entretanto, faz-se mister entender e vivenciar alguns fundamentos básicos do método e da metodologia que se pretende aplicar.
Conhecido a nível mundial por seu sistema de notação e análise de movimento (“Labanotation” e “LMA - Laban Movement Analysys”), o alemão Rudolf Laban demonstra em “Dança Educativa Moderna” (1990), temas de movimento básicos para serem utilizados pelo professor, sem privilegiar nenhum sistema de dança confinado no domínio de movimentos tidos como obrigatórios ou algum treinamento corporal ortodoxo para a execução da dança, sejam eles para as danças ditas teatrais (ballet, dança contemporânea, jazz-dance, dança moderna, etc.) ou folclóricas. Laban (1990) propõe a descoberta da dança, do movimento dos corpos, contemplando a riqueza das subjetividades, das diferenças, sem parâmetros de beleza exteriores ao grupo cultural, onde a atividade de uma dança verdadeiramente democrática se insere. Dessa forma, a dança pode estar presente nas aulas cumprindo sua função sem nenhum compromisso de treinamento exaustivo aprisionado a técnicas.
Com o advento e a crescente demanda de cursos de licenciatura em dança surgindo no país, espera-se que o licenciado em dança seja o mais indicado para atuar na escola com a liberdade do uso das técnicas de dança de forma consciente, pois estará solidamente mais (in)formado para optar criticamente porque tipo de dança irá educar, respeitando os anseios dos alunos ao mesmo tempo, apresentando-os a uma descoberta do corpo e dos movimentos centrada nas possibilidades e na desconstrução da idéia de que o dançar se encerra no aprendizado de técnicas e de que é privilégio apenas de bailarinos.

Arthur Marques de ALMEIDA NETO. Mestrando em Dança - UFBA.


Referências:

EHRENBERG, M.C. A dança como conhecimento a ser tratado pela educação física escolar: aproximações entre a formação e a atuação profissional. 2003, Faculdade de Educação Física, Unicamp, Campinas, SP.

GARIBA, C.M.S. Dança escolar: uma linguagem possível na educação física. Disponível em
http://www.efdeportes.com/efd85/danca.htm - data de acesso: 25/10/2006.

GASPARI, T.C. A dança aplicada às tendências da educação física escolar. Motriz. 2002, v. 8, n. 3, pp. 123-9.

GEHRES, A.F. Dança e educação física: é ou não é!!!. Disponível em
www.sbpcnet.org.br/eventos/recife/textos/MC33_DAN%C7A_E_EDUCA%C7%C3O_F%CDSICA.pdf – data de acesso: 27/10/2006.

GREGO, L.G. O ballet das lesões: associações entre agravos músculo-esqueléticos e aptidão física de praticantes de dança e escolares. 2002, Faculdade de Educação Física, Unicamp, Campinas, SP.

KATZ, H. O coreógrafo como DJ in: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia (ORG). Lições de Dança. Rio de Janeiro: Univercidade, RJ, 1998.

LABAN, R. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone, 1990.

MARQUES, I.A. Ensino de dança hoje: textos e contextos. 2ª. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PEREIRA, M.L.; HUNGER, D.A.C. F. Dança e Educação Física no Brasil:questões polêmicas. Disponível em
http://www.efdeportes.com/efd96/danca.htm - data de acesso: 25/10/2006.

PORPINO, K.O. Narrativas do corpo que dança: o contexto do ensino profissional. Disponível em
http://www.anped.org.br/24/P1645363438928.doc - data de acesso: 27/10/2006.

SANTOS, J.T.; LUCAREVSKI, J.; SILVA, R.M. Dança na escola: benefícios e contribuições na fase pré-escolar. Disponível em
http://www.psicologia.com.pt/artigos/ver_artigo_licenciatura.php?codigo=TL0046&area=d6 – data de acesso: 27/10/2006.

SBORQUIA, S.P. A dança no contexto da educação física: os (des) encontros entre a formação e a atuação profissional. 2002, Faculdade de Educação Física, Unicamp, Campinas, SP.

STRAZZACAPPA, M.. The education and the body's factory: dance in school. Cad. CEDES., Campinas, v. 21, n. 53, 2001. Disponible en: . Acceso el: 26 Oct 2006. doi: 10.1590/S0101-32622001000100005.

SAMPAIO, M.I. A dança na Educação Física escolar. Disponível em
http://sites.usjt.br/jol/arquivos2005/Colaboradores_2005_12_05_danca_flavia.php?PHPSESSID=c3d5dcd98e738b2 - data de acesso: 27/10/2006.

TRESCA, R.P.; DE ROSE JR. D. Estudo comparativo da motivação intrínseca em escolares praticantes e não praticantes de dança. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 2000, v.8, n.1, pp.9-13, Brasília, DF.


[1] Disponível em http://www.escolabolshoi.com.br/cursos_escola.php. Acessado em 26/10/2006.
[2] A nomenclatura cursos livres aqui adotada se refere aos cursos que são oferecidos na cidade de João Pessoa nas escolas da rede privada de ensino como conteúdo extracurricular, fora do horário das aulas do ensino fundamental e médio, conhecidos também como “escolinhas” e são oferecidos comumente nas modalidades dança, natação, judô, entre outros. Como um “chamariz” ou diferencial para a escola devido a forte concorrência entre elas, as escolas contratam um professor que geralmente subloca uma de suas salas para oferecer seu curso de dança, fora do horário das aulas da grade curricular do Ensino Básico. Muitos desses professores não têm formação superior alguma, nem técnica na área.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

PROPOSTA PARA UMA DANÇA DE REFLEXÃO

The Pioneering (Wonder) Woman: uma heroína da fronteira americana
RESUMO:
Neste trabalho, proponho que Martha Graham, em sua fase de danças nacionalistas denominada “Americana” (1935 – 1944), consegue relacionar suas coreografias, em especial “Appalachian Spring” (1944), com a cultura nacional americana e construir sentidos de identificação através da narrativa de uma nação, conceito apresentado por Stuart Hall (2005). Nesse viés, pretendo mostrar que a dança de Graham consegue (re)contar histórias da nação, (re)afirmando a cultura nacional e transmitindo esse discurso ideológico, como observo no ensaio de Janet Eilber (2000), que comparo a um relato de experiência etnográfica, onde está presente a alegoria ou uma prática de narrativa ficcional. Reflito sobre a responsabilidade do artista em relação aos sentidos incontroláveis ou múltiplos significados que um trabalho de dança pode produzir.
PALAVRAS-CHAVE: dança moderna americana, Martha Graham, identidade nacional.
(Trabalho que será apresentado como comunicação oral e publicado na íntegra, no V Colóquio Internacional de Etnocenologia, em Belo Horizonte, em agosto de 2009).

Sobre esse trabalho, proponho uma reflexão do papel do artista, do coreógrafo e do bailarino, no sentido de perceber que sua obra é sempre passível de leituras diferentes. Uma reflexão para o papel do pesquisador em dança, que deve estar comprometido politicamente, não na busca de uma verdade – mas, consciente de que existem várias verdades - uma reflexão sobre a forte relação entre arte e política sendo esta relação uma possibilidade do trabalho artístico.

Busco chamar atenção à necessária responsabilidade do coreógrafo/ intérprete de dança da atualidade no que concerne ao tipo de dança que produz e às implicações políticas que são sempre inerentes de seu processo, pesquisa ou configuração de dança.

Não quero impor um modo de ver as coisas, um modo de vida. Nem quero julgar as opções de outros artistas. Mas, sou também um artista, e imagino.


Tenho idéias, aspirações e proposições para uma realidade em constante transformação. Acredito que todo artista é uma Maravilha... Mesmo sem um “laço mágico” ou “jato invisível”.

E acredito também que a “Sala de Justiça” é uma ilusão. Mas, certamente, todo artista - e pesquisador – detém “poderes especiais”: o de (re)criar, (re)contar ou (re)inventar histórias. “Verdadeiras” (se é que elas existem) ou não...

[...] se estamos condenados a contar histórias que não podemos controlar, pelo menos não contemos histórias que acreditemos serem as verdadeiras (CLIFFORD, 1998, p. 95-96).

Referência:

CLIFFORD, James. Sobre a alegoria etnográfica. In: ___. A experiência etnográfica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998, cap. 1, 63-99.

EILBER, Janet. Becoming the Pioneering Woman. Souvenir program for 2000 MGDC Tour, 2000. Disponível em:
<http://www.virginiaartsfest.com/downloads/sails/2005/MarthaGraham/mg_pioneeringwoman.pdf>. Acesso em: 01 de maio de 2008.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

ENSAIO SOBRE UM CORPO DA MÍDIA: BELEZA E PODER

Quero trazer a idéia de que as relações de poder permeiam também a preocupação e busca incessante atual pela manutenção da juventude e beleza. Manobras neo-liberalistas não são exclusividade de ações políticas partidárias, mas estão presentes em nosso cotidiano e emaranhadas na mídia e na cultura. Noam Chomski, em "Razões de Estado", fala da manipulação da mídia como manobra dos governos democráticos ou imperialistas. Quero ampliar a discussão para esferas um pouco mais sutis – a esfera da imagem pessoal, da subjetividade: o corpo. A imagem do corpo difundida pela mídia circunscrita no meio capitalista é a de um corpo jovem, sadio e belo. Mas, perguntemos: o que é belo? O que é saudável? Quero dizer que esses conceitos, mais do que possamos responder à primeira instância, são conceitos altamente maquiados por uma relação de estética e poder.
Além de tecer essas considerações, quero complicar as questões, de modo a enriquecê-las, argumentando que a arte contemporânea, em especial no universo da dança contemporânea, é o único meio de fuga desse lugar onde o corpo está aprisionado a uma estética fake, de corpos mutantes promovidos à custa de tratamentos estéticos possantes, de revoluções químicas de medicamentos divinos – anabolizantes ou repositórios hormonais, epopéias ritualísticas travadas incessantemente pelos devotos do corpo ideal em novos templos sagrados como as academias, clínicas de cirurgias plásticas e spas...


A dança contemporânea discute o corpo na pós-modernidade, o corpo ideal para a vida, redefine e reinventa a realidade, numa prece utópica por mudança de configuração de uma realidade atual que busca atrasar os relógios e remodelar a carapaça muscular e dermatológica humana, acarretando também numa mudança de percepção de mundo e do olhar para a subjetividade. Da mesma forma, a dança contemporânea traduz, entre outras facetas, um desejo de desconstruir e desmantelar as estratégias de venda do corpo midiático, prostituído pelo desejo de poder: o poder de ser o que se deseja – seja esse “desejar” uma vontade pessoal – a “tesoura do desejo – desejo mesmo de mudar” - ou um desejo conectado com a sociedade corrompida pelo consumo, pela moda e pelo design, invenções estratégicas de um capitalismo que afeta o corpo, transformando e padronizando uma forma única de estar e captar o mundo: o “traje sagrado” – como escreve Martha Graham - com que entramos na vida e que “vestimos” até o fim dos nossos dias, se assim se pressupõe corpo X mente como instâncias separadas, ou se existe ainda uma fé no espírito.


A tecnologia não faz do corpo objeto obsoleto. O corpo é transformado, evolui. O pós-humano não é ironia de um mundo dominado pelo futuro cibernético: é ilusão de não perceber que a subjetividade coexiste mesmo num corpo “turbinado”, “eficiente”. Não defendo a loucura contemporânea da mudança com fins absolutamente estéticos. Entretanto, acredito que a própria busca do sujeito por uma estética vendida como “ideal” pelos meios midiáticos é também uma estratégia de permanência sistêmica.


Encontrar o parceiro na batalha da night é uma forte razão para muito desses corpos dopados de química ou de próteses. Balançam freneticamente e desfilam ao som do “bate-estaca” das raves todas as coleções de bonecos e bonecas já inventadas (Barbies, Susies, Kens, Falcons... E fazem, com sua beleza estonteante, se esconderem, no fundo do mar, os surreais horrorosos e indesejáveis Bob Esponjas: os caretas, quadrados, fracos e sujeitos a deformidades).



Sexualmente movidos, sentem-se seguros e confiantes em seu poder de sedução e se auto-afirmam exibindo seus músculos esculpidos por horas a fio ou comprados, sem pudores, em pouca roupa – e marcas caras – e com muito suor e desespero por companhia. Quantidade é valor maior que qualidade. Na verdade, eles tornam-se uma versão remixed and revisited da solidão moderna do flaneur de Baudelaire. Corpos não-identificados sob a escuridão da noite. Ou melhor, da boite. E a busca é por iguais, compatíveis.


Peitos siliconados, bocas enxertadas de colágeno, rugas com fios de ouro e expressões congeladas de botox não é mais exclusividade do gênero feminino. Os machos metrossexuais, emos e/ou travestis também compram a beleza disponível nas “feiras”: as prateleiras das farmácias e os tabuleiros de bisturis das mesas cirúrgicas. O “Admirável Mundo Novo” está em cada esquina.

Os salões de cabeleireiros são fábricas de louras (Men prefer blondes?) e cabelos enchapados, com corpos rígidos para não desfazer o truque cosmético do fio liso. Para a mídia, não adianta apenas usar creme dental: preciso ter um corpo escultural para portar um sorriso branco e saudável. Não adianta só tomar cerveja: tenho que ter uma namorada loura e gostosa para acompanhar. Pouco importa se ela é tão gelada quanto a cerveja...


Enquanto isso, na madrugada, alguém é espancado até a morte. Os gays imitam os héteros ou vice-versa? Como identificá-los? Hoje, todos são pitbulls tatuados que saem aos bandos sem suas guias, mas exibem - orgulhosos - suas coleiras estranguladoras. Quanto maior for sua corrente, maior sua virilidade e seu poder. Não importa com quem estou em quatro paredes. Ou se estou de quatro.

A arte da dança contemporânea não privilegia determinada estética ou forma. Privilegia a reflexão e questionamento sobre seus conteúdos. Sobre o corpo, não determina quem pode ou deve dançar, apenas aprofunda o olhar para o que o corpo provoca. Qualquer corpo: o da moda, da mídia, o “top”, o popular, o comum.

Sejam bem vindos à dança da democracia do corpo: sereias - podem vir sem pernas; Netunos - tragam seus tridentes; pérolas negras - saiam das ostras. Bob Esponjas. Emergem todos: deficientes, pobres ou diferentes. O belo, na dança contemporânea, é o corpo individual, único. O que está inteiro de seu potencial. O corpo que se assume, e que destrói, assim, qualquer tentativa de manipulação, de qualquer natureza.

[...] a ginástica. os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do corpo... tudo isso conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como consequência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reinvidicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. (Michel Foucault, em "Microfísica do Poder").
Arthur Marques de ALMEIDA NETO
Mestrando em Dança - UFBA

FENART 2008 - 18 A 26 DE ABRIL DE 2008

Fundação Espaço Cultural da Paraíba. Rua Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, CEP 58042-900 - João Pessoa, Paraíba - Brasil.

Arnaldo Antunes e Orquestra Sinfônica da Paraíba na abertura do XII Fenart

Concerto de abertura do XII Fenart leva mais de cinco mil pessoas ao Espaço Cultural na noite desta sexta-feira (18).
Às dez da noite desta sexta-feira (18), em ponto, a Orquestra Sinfônica da Paraíba dava início ao concerto de abertura do XII Festival Nacional de Arte, o Fenart. No palco, o maestro Luiz Carlos Durier conduzia com excelência 80 músicos na execução do famoso “Bolero”, de Ravel, lindamente ilustrado com a performance do bailarino Arthur Marques e projeções digitais em amarelo e vermelho ao fundo.


Bailarino Arthur Marques faz performance
na abertura do concerto ao som do 'Bolero', de Ravel.

Extraído de <http://www.fenart.pb.gov.br/arnaldo-ospb.html> em 13 de dezembro de 2008.

Interação entre dança e outras linguagens pontuou seminário com coreógrafos

Uma grande discussão acerca da relação da Dança com as outras linguagens artísticas marcou o seminário ‘Que Dança É Essa?’, realizado na tarde dessa quinta-feira (24) no Auditório Verde do Espaço Cultural. Coordenado pelo coreógrafo e bailarino paraibano Arthur Marques, o evento reuniu três grandes expoentes da dança clássica e contemporânea nacional: Alejandro Ahmed, coreógrafo e diretor do Cena 11 (SC); Carlos Laerte, fundador da Laso Cia de Dança (RJ) e Leandro Ramos, diretor do Ballet de Londrina (PR).
“Afunilamos esse universo para discutir as circunstâncias em que o espetáculo pode ser classificado dentro da dança contemporânea ou quando vai além, porque há muitas montagens que se utilizam de interfaces conectadas a outras linguagens artísticas e até à tecnologia”, explica o coordenador da mesa. “Por isso fica difícil definir um campo onde o espetáculo pode atuar única e exclusivamente”.

Mesa reuniu os experientes Alejandro Ahmed (SC), Carlos Laerte (RJ) e o paraibano Arthur Marques.
Os debatedores convidados pela programação de seminários Cena Contemporânea foram escolhidos minuciosamente pelo trabalho diferenciado que cada um desenvolve. “Alejandro Ahmed, por exemplo, utiliza tecnologia, cibernética, robótica e energia elétrica; Carlos Laerte também tem formação em Cinema, o que influencia muito seu trabalho e Leandro Ramos aproveita a sua formação técnica em ballet clássico na elaboração dos seus espetáculos”, considera Arthur Marques, avaliando como “fundamental a contribuição das vivências expostas por cada um desses artistas”.

Extraído de <http://www.fenart.pb.gov.br/danca-mesa.html>, em 13 de dezembro de 2008.